O verdadeiro risco à segurança alimentar está na dependência persistente dos combustíveis fósseis " /> O verdadeiro risco à segurança alimentar está na dependência persistente dos combustíveis fósseis ">
Sobre o projeto
Diário de bordo
Diário em fotos e vídeos
Be8 BeVant
Nossa frota

Biocombustíveis não ameaçam a alimentação

Biocombustíveis não ameaçam a alimentação
Compartilhe:
Compartilhar no Linkedin

O Brasil lançará, na COP30, em Belém, com Índia, Itália, Japão e outros países, um compromisso global para aumento da produção e do uso de combustíveis sustentáveis. Esse compromisso multinacional baseia-se em quatro décadas de evidências científicas de que o modelo brasileiro de uso da terra, integrando alimentos, energia e preservação ambiental, contribuiu para enfrentar a fome e a mudança do clima.

A agricultura tropical brasileira demonstra que não há jogo de soma zero entre alimento e combustível. Cana-de-açúcar, milho e soja são cultivados em sistemas integrados, que produzem simultaneamente açúcar, etanol, ração animal, bioeletricidade, proteína vegetal, biogás e, sim, alimentos. Esses sistemas maximizam o uso da terra e dos recursos, aumentam a renda dos produtores e reduzem as emissões de gases de efeito estufa.

Nos últimos 50 anos, o Brasil tornou-se um importante exportador mundial de alimentos e um dos líderes em energia limpa. Perto de 50% de sua matriz energética é renovável (a média global é 14%). A bioenergia responde por mais de 30% da energia nacional, evitando emissões equivalentes a 1,6 bilhão de toneladas de CO₂. Ao mesmo tempo, o país preserva 66% de seu território com florestas, e 98% da expansão da cana-de-açúcar ocorreu sobre áreas agrícolas e pastagens degradadas, não sobre florestas nativas.

Estudos conduzidos pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, pela Agência Internacional de Energia, pela AIE Bioenergia, pela Parceria Global para Bioenergia e pelo Programa Fapesp de Pesquisa em Bioenergia demonstram que o impacto dos biocombustíveis na segurança alimentar não está correlacionado ao fato de a matéria-prima ser alimentar ou não alimentar. Revisões sistemáticas que analisaram mais de 200 estudos concluem que dois terços dos casos mostram efeitos neutros ou positivos sobre a disponibilidade de alimentos. Os efeitos negativos, quando observados, ocorrem sobretudo em países de alta renda e baseiam-se em modelos teóricos, não em dados reais de campo.

No Brasil, a introdução do etanol de milho não reduziu a oferta para ração ou alimentos, tampouco elevou os preços domésticos. O país continua entre os maiores exportadores globais de milho, soja, carne, açúcar e celulose. A integração soja-milho e cana-amendoim permite duplo cultivo, eleva a produtividade e recupera o solo. Em 11 países do Sul Global, usar de 0,1% a 10% das áreas de pastagem degradadas para bioenergia poderia evitar emissões equivalentes a 300 milhões de toneladas de CO₂ por ano, além de restaurar carbono no solo e gerar renda rural.

Os biocombustíveis promovem desenvolvimento social. O setor sucroenergético emprega formalmente 87% de sua força de trabalho e paga salários 46% mais altos que outras culturas agrícolas. Programas de inclusão produtiva, como o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, quadruplicaram a renda familiar de pequenos produtores de soja. As usinas geram energia elétrica limpa capaz de abastecer mais de 10 milhões de residências, ampliando o acesso à energia nas zonas rurais.

A dicotomia “comida versus combustível” foi superada pela prática. Fazemos alimento, energia e ração em paralelo — não um em substituição ao outro. Biocombustíveis de baixo carbono, como o etanol, o biodiesel, o HVO e o biometano, são parte da solução para uma transição energética justa, ordenada e inclusiva, como propõe a presidência brasileira da COP30.

O verdadeiro risco à segurança alimentar está na dependência persistente dos combustíveis fósseis, que alimentam as mudanças climáticas, reduzem a produtividade agrícola e agravam os eventos extremos. A expansão sustentável da bioenergia, baseada em ciência e governança ambiental, é caminho para a prosperidade rural, para a segurança alimentar e climática e para a valorização do Sul Global como protagonista da transição energética.

*Glaucia Mendes Souza, professora titular da Universidade de São Paulo, é líder da Força-Tarefa de Biocombustíveis para a Descarbonização do Transporte da Agência Internacional de Energia

veja outros diários de bordo